Crônica
Yawô
O fio
de conta que mãe Josefa me entregou ficou balançando pelo meu pescoço. Muito
bonito por sinal. Miçangas brancas com detalhes em azul e uma figa de guiné entre
o seu inicio e fim. "Oxoguiã" ela me disse. Não sabia que orixá era,
nem em qual parte da natureza ele comandava, mas logo no começo gostei do nome.
Fiquei sentado a maior parte do dia numa esteira de palha no canto de um quarto
branco onde eu não podia falar nem sair, a não ser para ir ao banheiro, mas
mesmo era um pouco estranho do que eu estava acostumado. Eu dormia e acordava e
a hora não passava, pelo menos o sol não parecia ir embora, já que não podia
ver as horas e estava sem relógio ou celular. Quando finalmente a noite começou
a cair, ela entrou no quarto e me chamou, disse que era a hora de um tal de ebó.
Fomos até uma cachoeira que tinha perto de seu terreiro e lá ela mandou que eu escolhesse
uma pedra clara e assim fiz. Mergulhei naquela água gelada e peguei uma pedra
branca quase que transparente. Sua formatura era tão simétrica que parecia ter
sido lapidada pela própria água. Peguei a pedra e a entreguei. Ela começou a
passar inúmeras coisas pelo meu corpo. Farinhas que pareciam iguais, mas tinham
cores e cheiros diferentes, bolas de diversas iguarias, como: arroz, inhame, tapioca,
etc. e por último alguns grãos, velas, moedas, pedaços de murins, e até pólvora.
Voltamos ao barracão e chegando tomei diversos banhos de ervas. Voltei para o
quarto e dormi. Quando acordei parecia madrugada, entretanto nunca tinha visto
uma tão bonita. As estrelas pareciam brilhar como luzes e a lua estava cheia e
luminosa. Fomos para o quintal e vi várias pessoas, cada uma delas segurava uma
vela. Os ogãs tocavam nos atabaques um ritmo maravilhoso e todo mundo cantava
em uma língua que eu pouco conhecia, o yorubá. Ajoelhei-me em frente ao poço e
ela rezava aos orixás quando senti algo duro se chocando e quebrando em minha
testa revelando seu recheio viscoso e ao mesmo tempo muita água. A partir disso
me recordo de muita pouca coisa. Algumas vezes eu ouvia outras eu via, mas eu
não estava ali. Não conseguia controlar meu corpo, minha fala, ou meus
pensamentos. Teve apenas um dia que eu estava ali, presente, sem estar recebido
de nenhum orixá. Não sei que dia era, pois estava sem noção de tempo, hora e às
vezes até de onde eu estava. Nesse dia sonhei que com um guerreiro negro
vestido todo de branco segurando uma espada prata e uma mão de pilão ele chegou
até mim e falou "Awon pylon ti Baba", assim que acordei contei a mãe
Jô e ela disse que aquele seria o nome do meu orixá e automaticamente o meu
dentro do candomblé. Quando sai de lá fui pesquisar a tradução e descobri que
significava "O pai do pilão". Depois disso tenho apenas uns flashes
da minha saída de yawô. Lembro-me de me ver girando por toda a sala e pulando,
creio que tenho dito alguma coisa, mas eu não escutava nada. Depois disso todos
vieram me parabenizar e disser que meu orixá, Oxoguiã, havia encantado a todos
que estavam no recinto e que todos esperavam a próxima festa para o ver
novamente.
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